LAGOA DE PEDRA
TIMBAÚBA DO GURJÃO – PARAIBA
Local onde Antonio Silvino matou o tenente Maurício
Nasci ouvindo minha mãe contar esta história, tantas vezes, que já tinha plasmada a visão daquela “batalha” dentro da minha cabeça de criança, e que hoje, já metido a velho, resolvi desvendar esta epopéia caririzeira.
Lagoa de Pedra ficava dentro de uma propriedade que pertencia ao meu avô materno, Raulino de Medeiros Maracajá (Major Cirurgião da 11ª. Brigada de Infantaria da Guarda Nacional – 1910), hoje desmembrada da antiga fazenda Nova Vista no município de Gurjão-Paraíba.
Lá pelos idos do século passado, a fazenda acima referida era pouso do cangaceiro Antonio Silvino, como também das tropas que o perseguiam.
Num certo dia, de repente, aparece no terreiro da casa uns dois “cabras” que vinham à frente farejar a presença de inimigos e anunciar a presença do seu comandante o Príncipe dos Cangaceiros, que solicitava um refrigério para sua eterna caminhada pelo árido sertão.
Na impossibilidade de dizer um não, meu avô, pôs a sua vivenda à disposição do guerrilheiro matuto.
Chegava e assumia com ordem, disciplina e respeito. Pedia arrancho (com direito apenas, água e comida) sentava-se a mesa com os donos da casa e alguns dos seus lugares-tenentes, o resto: uns ficavam de atalaia e os outros esperavam para a segunda mesa.
Minha avó possuía, junto a um prédio, onde funcionava uma máquina à vapor (locomóvel) e um pequeno engenho de rapadura, uma bodega, onde vendia aos moradores da fazenda e aos poucos vizinhos, atavios e outros mangaios para as emergências do dia a dia: botões, linhas, agulhas, cortes de tecidos baratos, querosene Jacaré, sabão, velas, fósforos, rapadura, carne de charque, bacalhau, queijo de coalho feito em prensa de miolo de aroeira, manteiga da terra, pinicos, e o diabo a quatro.
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Historiador
maracajag@hotmail.com
Após saciarem a fome e a sede, iam ao armarinho, de dois em dois, pegavam o que necessitavam e voltavam a casa sede, pagando honestamente tudo o que tinham tirado.
O valente cangaceiro, de barriga cheia, sentava-se numa cadeira muito simples feita de madeira, com assento de tecido grosso listrado, chamada espreguiçadeira (ainda existente na mesma propriedade, hoje de Juarez e Nise Maracajá, netos do velho Raulino). Onde ele cochilava, tendo sempre uma das minhas tias ou mesmo minha mãe, ao joelho, não sei se por cortesia ou para sua proteção contra qualquer traição de alguém de dentro da casa.
Naquele dia chamou meu avô e disse:
- Gato! O danado do tenente Maurício vem aí com os macacos no meu rastro. Sei que logo mais aparece por aqui, diga que não vá atrás de mim, pois vou me entrincheirar lá na Lagoa de Pedra, e hoje mesmo, desgraço com ele.
Dito e feito. Não demorou muito, chegou à volante chefiado pelo alferes João Maurício da Costa, fazendo uma algazarra dos diabos, que apesar de serem militares, não mantinha tanta disciplina como os cangaceiros.
Recebeu o recado do velho Maracajá, se abasteceu do que queria e antegozando uma vitória disse: – Vai ver hoje quem é que morre se não é aquele bandido!
Meu avô, o acompanhou até certa parte do caminho, claro, forçosamente e voltou cabisbaixo e triste, pois sabia que dentro de suas terras ia acontecer uma desgraça, além das que a seca já vinha fazendo ano a ano.
Sentou-se na dita espreguiçadeira que colocou no terraço e ficou com os olhos semicerrados e as “orelhas em pé”, aguardando qualquer som que não fosse das rolinhas fogo-pagou que nesses dias viviam bicando e namorando pelo terreiro pedregoso ou o martelar do seu ferreiro de estimação numa gaiola acima de sua cabeça.
Até cochilou, pois o calor no começo da tarde dava uma moleza danado no cabra depois da bóia. Pulou da cadeira ao ouvir os primeiros estampidos meio abafados, e distantes. O local marcado para a peleja ficava a três ou quatro quilômetros de distância.
Selou o cavalo Gaúcho, e danou-se pra lá, andou pelo menos vinte minutos, devagar e com cuidado, pois não sabia o que iria encontrar pela frente. O que viu foi de estarrecer e partir qualquer coração: um cabra do bando, ainda batendo com uma pedra na cabeça do tenente Maurício, e um soldado colocando um fósforo aceso na mão de um colega nos cirros da morte. O desmantelo era grande, rapidamente tudo logo se acalmou; os homens do Silvino, feridos ou não, caíram dentro da caatinga e desapareceram, ficando apenas alguns mortos e feridos gravemente. Os soldados sem o seu valente comandante pareciam perdidos como cego em tiroteio. Fora uma derrota imensa a emboscada!
O terreno é uma verdadeira pedreira dentro de um baixio, onde, nos tempos chuvosos, vira uma lagoa, e quando o sol abrasador chupa todas suas águas, vira um local cheio de rachaduras e de difícil caminhar.
Vendo que não podia ajudar os feridos, meu avô, avisou que ia até a IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, pertencente ao Ministério da Agricultura, hoje Fazenda Pendência, pertencendo ao Governo do Estado), pedir ajuda através de um telefone de manivela, à delegacia da cidade de Soledade.
Depois de mais ou menos um século do ocorrido, eu e o Dr. Antão Ouriques de Farias, historiador que mora atualmente em São Paulo, e que de férias, faz passeios pelo Cariri Velho, fomos redescobrir o local. Passamos quase um dia por lá, olhando as pedras, as locas, tentando sentir ou ouvir algum gemido de alma penada ou zumbido de bala de rifle 44. Procurávamos qualquer coisa: alguma casca de bala, mancha de sangue nas pedras ou algum indício de gente por lá. O vazio era total, parecia mesmo um cemitério.
Lagoa de Pedra no inverno – Foto de Rita Cantalice, Atual proprietária da fazenda.