Rádio Nação Ruralista

segunda-feira, 9 de abril de 2012



EU E A ARANHA*
Robério Maracajá Henriques**
17/09/1929 – 08/06/2000

            Quase três horas da manhã, sento-me para escrever esta crônica e uma aranha miúda, pernas finas, interrompe a teia, no canto da parede e me olha furiosa. Deixa de

ser besta, aranha. Eu sei que não posso fazer uma teia igual a tua, mas tenho um bocado de teias na vida e no coração. São mais douradas que a tua. Quatro filhos, nove netos, uma esposa e tu aí tão sozinha. Pegando moscas enquanto eu agarro sonhos.
            Eu tenho mais de trinta cachimbos e tu nem sabes fumar. Podes dirigir os dois carros que tenho na garagem? Já leste os oito mil livros que tenho nas estantes? Não me olhes, assim, furiosa, que não tens um emprego, quatro pares de sapatos, camisas, e cuecas. Nem podes tocar as musicas de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Carlos Galhardo, Júlio Iglesias, Chopin, Rimsky-Korsakov, Rachmaninov, Bach, Handel, Telemann, Vivaldi. Tente assobiar uma música de Luís Gonzaga ou o Hino Nacional. Compra fiado, faz um calo seco nos muitos dos teus pés. Vai votar...
            Cadê as tuas férias? E onde estão os teus filhos? Deixa de ser besta, que o homem é um cavalo de pau, com carroça e tudo. Tem dor de cabeça, úlcera, colite, declaração de imposto de renda, telefone, água da Cagepa que não chega nunca, fundo de garantia por tempo de serviço que roubam todo. És somente uma aranha. Tua casa é uma teia e eu moro debaixo de telhas. Pago aluguel. Saio pelas ruas, arriscando a ser atropelado. Já tive infarto do miocárdio, gripe, sinusite, catapora, sarampo, tifo, dor de barriga, amidalite, dor de ouvido, caganeira.
            Como  é que podes, então, ficar nesse canto, toda soberana, se passas a vida, inviolável? Na tua vida não passou um Collor de Mello, uma Revolução de 64, um AI-5, uma seca, um José Américo de Almeida. Como é que podes me olhar com ira, se nem sabes ler?
            Tu tens o dom de fiar, eu de comprar fiado. Já não é uma coisa feita? Vai dormir aranha, que eu vou amanhecer o dia, ver o sol, a barra quebrando, as nuvens cor-de-rosa, o vento fresco tocando as folhas das palmeiras. Vou cheirar o perfume dos bugaris e dos jasmins. Vou ouvir o primeiro canto dos pássaros, a aleluia da manhã que me desce como uma ternura. O meu relógio marca o meu tempo. E o teu tempo não tem marca a não ser os fios de tua teia.
            Não vou perguntar se és feliz. A felicidade é uma asa e tu não voas. Muitos são os meus caminhos e tu não sais deste canto de parede. Pensando bem, agora que meus olhos adormecem, vamos trocar de lugar? Eu faço a tua teia, tu fazes a minha vida. Se sair errado, a culpa é do destino, que te fez aranha e me enfeitou de homem. É uma questão de cor, ou um caminho de dor. Amém.

Nota – Cutucando por aí, achei, nos blogs da vida, mais um admirador do meu mano Robério.

*Ciranda Cultural

Blog informativo dos alunos do 4º. Ano das disciplinas de Edição e Jornalismo cultural, ministradas pela professora Sávia Cássia.

Reportagem: Márcio Sobrinho, Givanildo santos, Lenildo Ferreira.

PÁGINAS ESQUECIDAS: A CRÔNICA DE ROBÉRIO MARACAJÁ

Entre os maiores nomes da crônica campinense, está escrito em grandes letras o de Robério Maracajá (1929-2000) — jornalista, crítico literário, ensaísta, poeta, folclorista, contista, romancista, e professor; mas, sobretudo, um cronista responsável por retratar um misto daquilo que nos inquieta enquanto seres humanos e aquela parte da realidade que nos é por vezes imperceptível, as coisas miúdas da vida.
Nascido no Cariri paraibano, onde passou a infância, e cujos pássaros e paisagens se tornaram seus temas mais recorrentes, Robério iniciou cedo sua jornada no mundo das letras, tendo ganho aos 19 anos um prêmio nacional pelo conto “A volta do desespero”.
Em quase 30 anos de profissão como jornalista — que na sua definição deveria ser “o tradutor de sua época” e “a voz que respeita, mas não cala”, a existir “até que viva a coragem de ser livre e a liberdade de ter coragem” —, Robério deixou um legado de reportagens, palestras, conferências, um romance não publicado, e um valioso estudo sobre o historiador Cristiano Crispim, a quem sucedeu na Academia Campinense de Letras, dentre outras produções.
Mas, sem dúvida, a maior riqueza de seu espólio são as milhares de crônicas que escreveu. Sua rotina, por um bom tempo, foi, todas as madrugadas, escrever o texto que iria ao jornal no dia seguinte. Em 7 de junho de 2000, curiosamente, publicou uma crônica intitulada “A primeira entrada no céu”, e no dia seguinte, aos 70 anos, faleceu de infarto fulminante enquanto falava ao telefone.
Apesar de se afadigar constantemente no exercício com a palavra, sua frase não se apresenta aos leitores rotineira ou repetitiva, mas é como se tivesse absorvido o frescor e a novidade das madrugadas nas quais Robério datilografava em sua máquina “desconjuntada pelo uso”. Sua crônica era tecida numa linguagem extremamente poética, sentimental, intimista, e ensimesmada — como ele mesmo o era; pouco afeita às polêmicas políticas, mas sem esquivas.
Hoje — aguardando uma edição em livro que lhe faça jus e ressuscite o interesse dos leitores —, boa parte da produção de Robério pode ser encontrada nos arquivos do Jornal da Paraíba, ou no acervo pessoal de sua esposa, a profª. Eneida Agra Maracajá.
É difícil escolher uma crônica para incluir como exemplo de sua escrita, tão múltiplos são os temas que abordou em seu extenso cronicário e tão igual a qualidade de suas produções. O texto que segue foi publicado na edição de 7 de abril de 1993 do Jornal da Paraíba.
segunda-feira, 28 de maio de 2007

**(O autor da crônica é irmão de Grijalva)
maracajag@hotmail.com





COMENTÁRIO DO MARACAJÁ*

DOMINGO, 1 DE JANEIRO DE 2012

Robério Maracajá, com a palavra



Jornal da Paraíba, meu abraço!

PUBLICADO EM 23/10/2011 ÀS 08:00H POR
Robério Maracajá – 17/09/1929 – 08/06/2000

Abro a velha Carteira do Ministério do Trabalho e lá está anotado o meu ingresso no Jornal da Paraíba: 1º de março de 1972. Registro nº038, cargo Redator e um salário de CR$400,00 mensais. O jornal foi fundado em 5 de setembro de 1971. Portanto, eu ingressei no batente, seis meses depois de estar em circulação. E, haja saudade!Rua da Areia e o Bar do Sargento. Um lance de escada, um salão povoado de fauna e flora. Posso me lembrar de todos? A memória, já beirando os setenta, não dá muito arrimo. Mas, nos ouvidos ainda soa a trela das máquinas de escrever. Nos olhos, vagam as imagens dos companheiros, verdes e maduros, alguns já largando a casca. Bichos e flores. Armando Lira, com jeito de seminarista arrependido. Josusmá Viana afobado que nem barbatão na solta. Humberto de Campos dando esturros de onça baleada. Celso Pereira, que teve um “desmaio psicológico”, no Bar do Sargento. Ana Luíza, enfeitada de alegria como um passarinho. Nilda, na doçura de sua tranquilidade. Marcelo Marcos, máquina fotográfica ambulante. Sevy Nunes, na sobriedade caririzeira. William Tejo cutucando os políticos. Orlando Tejo, um busca-pé. Ismael Marinho, fechado que nem corrimboque. Marcos Marinho, um grilo falante. E, quantos mais que me fogem à lembrança? E eu, acuado no meio das feras, como num circo romano.
Depois, a Rua Major Juvino do Ó, eu já longe do batente, mas colaborando com as minhas aventuras crônicas. A fleugma de Mozart Santos. Arimatéa Souza, mais parecendo um capitão corsário. Rossélio Marinho, nos sobressaltos na área econômica. Ana Lúcia, um toque de delicadeza. E os demais, da safra nova, com os quais tenho pouco contato. E o “presidente” Itamar, a quem importuno, na busca dos Painéis, que remeto para as editoras do País. São 27 anos de Jornal da Paraíba. De Humberto Almeida a Ricardo Carlos, foi escrita uma história de jornalismo honesto e sério. A maioridade de uma imprensa que nunca teve medo de falar. Um caminho de resistência ao meio termo. A boca escancarada da opinião. O intéprete de um povo acostumado a falar o que quer, que não baixa o cangote, nem se amofina. Vinte e sete anos que honram a todos nós.
Eu me amancebei com o Jornal da Paraíba. Nunca me importei com os salários, porque as máquinas, o cheiro da tinta, as impressoras, as notícias, as reportagens, eram-me coisas vivas, entrenhando-se na alma como chuva na terra seca. Foi onde me fertilizei. Muitos do meu tempo, estão habitantes da vida. Outros se foram. Seus nomes estão na minha saudade e nas gotas das minhas lágrimas. Deixaram-me lições de vida, de amizade, de carinho. Se me fosse dada a aventura de recriar, eu inventaria um grande jornal, traria todos de volta, para reviver a alegria de acalentar a imagem dos olhos e me perder na loucura de um grande abraço.
Mas não é tão descabido, assim, o meu sonho. Do batente de um jornal, ninguém se vai. Como não se foram Ana Luíza, Alberto Queiroz, Tarcísio Cartaxo, Clóvis de Melo...Como não se foi ninguém. Como um jornal não vai embora. E, na sua maioridade, o Jornal da Paraíba é a soma de todos. Esse aniversário é muito meu. Porque também nasci num mês chamado setembro. Porque somos filhos do mesmos sonho, porque nos vestimos nas mesmas páginas, porque falamos a mesma língua, porque os nossos caminhos se cruzaram, além de nossas vontades, amarrados em nossos destinos.

Fonte: 
http://jornaldaparaiba.com.br/blog/jpdebates/post/12274_jornal-da-paraiba--meu-abraco-

*Marcos Maracajá é primo de Robério, residente em Recife: Poeta, Advogado, Escritor.